sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Do "Fica" à brachiara


Por Irineu Moreira da Costa

Prezados cachoeiraltenses! Aqui estou novamente a fim de trazer a lume alguns aspectos da Cachoeira Alta do meu tempo, visto que tenho inúmeras histórias dessa cidade, algumas violentas, outras bizarras e, ainda, algumas curiosas. Irei contá-las em doses homeopáticas para não tumultuar esta página e não cansar o leitor. 

Hoje, abordo a questão rural. Nos meus primeiros anos a principal atividade econômica do município era tipicamente rural. Todavia, era uma atividade incipiente em que a maioria dos fazendeiros, principalmente de médios e pequenos proprietários, não faziam investimentos modernos para obtenção de maiores lucros. Alguns proprietários eram tão conformados com o seu fraco padrão de vida que se davam por satisfeitos por criarem gado no cerrado e nas croas com algum vegetal comestível. 

O gado era rústico, quase selvagem e de pouco valor. Criavam porcos soltos, os quais, erados, tinham suas presas tão crescidas que saíam para fora da boca, dando a impressão de que ali tinham dois punhais. O principal capim que existia para a formação de pastagens era o colonião, seguido pelo jaraguá e gordura, este encontrado nas capoeiras. Em consequência, a formação de pastagem só era possível em terras mais férteis, o que explica a não exploração das terras mais fracas, destacando-se aí os campos arenosos. 

O leite que o produtor tirava não tinha consumo, já que não havia laticínios para comprá-lo. A única saída era fazer queijos e requeijões caseiros e vendê-los, o que propiciava muito trabalho e pouco rendimento. Para embolsar alguma quantia e satisfazer as necessidades da família e da propriedade, era costume do produtor, no final do ano, vender os bezerros machos ainda mamando para entregá-los ao comprador no mês de maio seguinte. Feito o negócio, vendedor e comprador compareciam em cartório para a elaboração de um documento chamado por eles de "Fica", nomenclatura essa não prevista na doutrina e jurisprudência do direito. 
"Fica"
O cartório daquela época fazia um documento particular que, com firmas reconhecidas e devidamente registrado em Títulos e Documentos, tinha valor jurídico. No documento era mencionada a palavra "Fica", com isso enfatizando que o vendedor fulano de tal FICA na obrigação de entregar ao comprador a quantia de tantos bezerros, do meio acima, sem defeitos físicos, sadios, etc., etc. 

Todos os anos eu elaborava esses ficas, ao lado de outros como contratos, IBRA, INCRA, para os produtores rurais. Com o advento de outras espécies de capins, como a brachiara, umidícula e andropogon, próprios para terra fraca, grande foi a euforia dos produtores diante do resultado positivo. As terras, inclusive as fracas, foram altamente valorizadas e os fazendeiros aumentaram em muito a área de pastagens, o que resultou em lucratividades maiores e atraiu os laticínios para o município. O Laticínio Marajó foi, ao que me lembro, o primeiro a se instalar e a comprar leites, fazendo, com isso, cessar a venda antecipada de bezerros. Os "Ficas" também desapareceram.

Existia também a figura do negociante de gado bovino, pessoa que comprava reses e as vendia aos frigoríficos, ganhando a sua margem de lucros. Acredita-se que, por falta de informações, os produtores vendiam suas reses por preço inferior ao de mercado, propiciando, assim, lucros ao comerciante de reses.

O aumento das pastagens e do rebanho bovino fez aquecer o setor. Por isso, muitas pessoas se dedicavam ao negócio, bem como corretores diversos, tanto de gado como de terra. Ao lavrar uma escritura de compra e venda de terra grande era o número de pessoas a comparecerem no cartório, pois, além dos vendedores e compradores compareciam também um séquito de corretores.

Houve uma invasão de paulistas comprando terras no município, vez que em Goiás elas eram muito baratas em comparação com as terras paulistas. Muitos fazendeiros, alheios à realidade, vendiam eufóricos a sua propriedade, para, pouco tempo depois, amargarem grandes prejuízos com a valorização constante dos imóveis. Muitos ficaram pobres. Existem outros aspectos rurais da época, mas, não há espaço neste comentário para abordá-los, sob pena de tornar-me um prolixo.

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