segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Boxe amador em Cachoeira Alta


Por Irineu Moreira da Costa

Nos meus primeiros anos em Cachoeira Alta, apesar da pequenez do lugar, acontecia ali fatos interessantes, mesmo em que pese o isolamento a que estava submetida pela falta de comunicação adequada. Contudo, a cidade pulsava e a vida seguia o seu curso normal de acordo com os ditames da época. A interação dos moradores era da mais proveitosa, visto que não havia a violência que existe que atualmente. Todos se conheciam e eram amigos, inclusive os jovens com toda a energia própria da idade.

Determinado dia apareceu, na cidade, uma pessoa de fora conduzindo em sua bagagem o material necessário à realização de luta de boxe. Essa pessoa organizou todo o cenário para a realização das lutas, cenário esse constante de uma espécie de ring e local para uma pequena plateia. Tudo erguido dentro de um barracão de festas da igreja católica, se não me engano. Como Cachoeira Alta naquela época oferecia poucas opções de lazer além do esporte com bola, a notícia da previsão de lutas de boxe foi alvissareira. Impetuosos, vários jovens se prontificaram a lutar, mesmo sem técnica nenhuma e sem treinamento. Seria, pois, lutas pra lá de amadoras, tudo na bruta!

Vale ressaltar, aqui, que tais jovens eram todos da comunidade cachoeiraltense e "bons meninos", conforme diriam os mais velhos. A participação no evento seria apenas para descarregarem energias, tudo no âmbito do espírito esportivo. Fui um dos componentes da plateia num determinado dia de lutas. 
Naquele dia compareceram vários jovens com a incrível disposição para uma troca de "porradas", conforme diriam os amantes da gíria.

Não me lembro dos nomes de todos os jovens que compareceram para a refrega, mas, apenas os de alguns, os quais foram: 1) Evangelista Tiago (hoje meu cunhado); 2) Valdezino Paula (um amigo e parente meu), 3) Lourival, distinto jovem do lugar; 4) Mutuca ou Mutuquinha, da família Pires; 5) Zé de Tota, dentre outros.

Existiam pessoas encarregadas para amarrarem as luvas nas mãos dos lutadores, bem como um assistente que desempenhava a função de juiz. Porém, tudo a grosso modo. O local para abrigar a plateia ficou lotado de curiosos que se movimentavam e torciam. Em dado momento teve início o espetáculo com lutas preliminares, as quais, eram socos para lá e pra cá como se fosse uma briga ferrenha, visto que a ânsia de vencer de cada lutador era muito grande.

A falta de técnica no atacar e se defender fazia a luta ficar aberta e brutal, já que, quanto mais socos o lutador recebia mais ele queria devolvê-los ao seu opositor. Alguns caíam no chão, outros pulavam fora, desistinto da luta ante a saraivada de socos que lhes castigavam cruelmente. O lutador saía com manchas roxas pelo corpo, tal era o infernal castigo. A plateia aplaudia e gargalhava a cada lance dramático. O Sr. Teófilo Cachapuz, já falecido, vibrava e dizia: "Mas, que espetáculo bom, gente! Eu pago a entrada e fico satisfeitíssimo!".


O jovem Mutuca, ou Mutuquinha, era um bom lutador. Parecia que ele conhecia alguma técnica, visto que o seu desempenho era bom. De vez em quando ele disparava uma saraivada de socos no adversário, que, ante o castigo, não esperava pelo juiz: desistia da luta por conta própria, pulando fora do raio de ação dele. 
Não me lembro com quem Zé de Tota lutou. Só sei que na luta ele recebeu um tremendo soco no peito. Em consequência, estatelou-se no piso de cimento, onde ficou a espernear. O pequeno público se erguia e delirava. Zé de Tota abandonou a luta com o peito manchado de roxo.

Evangelista e Valdezino também se engalfinharam numa luta titânica. As rajadas de socos que cada um disparava e recebia, com os braços cruzando pra lá e pra cá, foi um espetáculo sem paralelo. Ao saltitar na troca de sopapos Valdezino caiu. Porém, levantou-se rapidamente e aplicou uma tremenda "porrada" no rosto do Evangelista que teve o seu nariz quebrado na hora. Com isso, a luta dos dois terminou.
Lourival, com muita disposição, também lutava bravamente, mas não me lembro com quem.

O enfrentamento foi duro! Os "pou, puf, páf", sons dos sopapos trocados, eram rápidos e constantes numa luta de peito aberto e bruta. Ao receber uma tremenda pancada que o fez ver vaga-lumes e estrelas, Lourival pulou fora com os dois braços esticados para a pessoa que amarrava e desatava as luvas, dizendo enfaticamente: "Tiiiira, tira, tira estas luvas das minhas mãos! Tira, tira! Não quero lutar mais não!". Com essa atitude repentina e cômica a galera foi ao delírio. Teófico Cachapuz vibrava e dizia: "Isso aqui tá bom demaaaaiis!". "Eu pago o ingresso e acho barato!".

Faço aqui um elogio a estes bravos jovens, haja vista a compreensão deles de que estavam apenas praticando um esporte, e não brigando. Por isso, não vislumbrei nenhuma falta de paciência ou mágoa entre eles. Tudo foi uma festa a acontecer nos parâmetros do espírito esportivo. 
Se alguém notar alguma afirmação incorreta aqui, peço que faça a correção, desde que seja pessoa que presenciou o evento aqui reportado. 

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