terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A caminho da moralidade

        Atendendo ao princípio da moralidade, disposto no artigo 37 da Constituição Federal como um dos Princípios da Administração Pública (os quais incluem ainda a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência), diversas Câmaras Legislativas têm aprovado Lei que impede a nomeação de servidores que se enquadram nos casos da Lei Complementar nº 135/2010 (a Ficha Limpa). É esse o caso da Câmara Municipal de Goiânia e da Assembléia Legislativa de São Paulo.

     Nesse mesmo viés, há rumores de que a Promotoria de Justiça de Cachoeira Alta enviou recomendação ao Legislativo Municipal para que elabore, em curto prazo, Projeto de Lei que proíba cidadãos inelegíveis (os famosos fichas-sujas) de ocupar cargos comissionados na Administração Pública. A chamada de Lei da Ficha Limpa municipal, caso entre em vigor, pode obrigar o atual Prefeito a fazer substituições em sua equipe, assim como ocorreu no período eleitoral. Lembrando-se que são apenas rumores. Esperemos atentos os seus desdobramentos. 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Boxe amador em Cachoeira Alta


Por Irineu Moreira da Costa

Nos meus primeiros anos em Cachoeira Alta, apesar da pequenez do lugar, acontecia ali fatos interessantes, mesmo em que pese o isolamento a que estava submetida pela falta de comunicação adequada. Contudo, a cidade pulsava e a vida seguia o seu curso normal de acordo com os ditames da época. A interação dos moradores era da mais proveitosa, visto que não havia a violência que existe que atualmente. Todos se conheciam e eram amigos, inclusive os jovens com toda a energia própria da idade.

Determinado dia apareceu, na cidade, uma pessoa de fora conduzindo em sua bagagem o material necessário à realização de luta de boxe. Essa pessoa organizou todo o cenário para a realização das lutas, cenário esse constante de uma espécie de ring e local para uma pequena plateia. Tudo erguido dentro de um barracão de festas da igreja católica, se não me engano. Como Cachoeira Alta naquela época oferecia poucas opções de lazer além do esporte com bola, a notícia da previsão de lutas de boxe foi alvissareira. Impetuosos, vários jovens se prontificaram a lutar, mesmo sem técnica nenhuma e sem treinamento. Seria, pois, lutas pra lá de amadoras, tudo na bruta!

Vale ressaltar, aqui, que tais jovens eram todos da comunidade cachoeiraltense e "bons meninos", conforme diriam os mais velhos. A participação no evento seria apenas para descarregarem energias, tudo no âmbito do espírito esportivo. Fui um dos componentes da plateia num determinado dia de lutas. 
Naquele dia compareceram vários jovens com a incrível disposição para uma troca de "porradas", conforme diriam os amantes da gíria.

Não me lembro dos nomes de todos os jovens que compareceram para a refrega, mas, apenas os de alguns, os quais foram: 1) Evangelista Tiago (hoje meu cunhado); 2) Valdezino Paula (um amigo e parente meu), 3) Lourival, distinto jovem do lugar; 4) Mutuca ou Mutuquinha, da família Pires; 5) Zé de Tota, dentre outros.

Existiam pessoas encarregadas para amarrarem as luvas nas mãos dos lutadores, bem como um assistente que desempenhava a função de juiz. Porém, tudo a grosso modo. O local para abrigar a plateia ficou lotado de curiosos que se movimentavam e torciam. Em dado momento teve início o espetáculo com lutas preliminares, as quais, eram socos para lá e pra cá como se fosse uma briga ferrenha, visto que a ânsia de vencer de cada lutador era muito grande.

A falta de técnica no atacar e se defender fazia a luta ficar aberta e brutal, já que, quanto mais socos o lutador recebia mais ele queria devolvê-los ao seu opositor. Alguns caíam no chão, outros pulavam fora, desistinto da luta ante a saraivada de socos que lhes castigavam cruelmente. O lutador saía com manchas roxas pelo corpo, tal era o infernal castigo. A plateia aplaudia e gargalhava a cada lance dramático. O Sr. Teófilo Cachapuz, já falecido, vibrava e dizia: "Mas, que espetáculo bom, gente! Eu pago a entrada e fico satisfeitíssimo!".


O jovem Mutuca, ou Mutuquinha, era um bom lutador. Parecia que ele conhecia alguma técnica, visto que o seu desempenho era bom. De vez em quando ele disparava uma saraivada de socos no adversário, que, ante o castigo, não esperava pelo juiz: desistia da luta por conta própria, pulando fora do raio de ação dele. 
Não me lembro com quem Zé de Tota lutou. Só sei que na luta ele recebeu um tremendo soco no peito. Em consequência, estatelou-se no piso de cimento, onde ficou a espernear. O pequeno público se erguia e delirava. Zé de Tota abandonou a luta com o peito manchado de roxo.

Evangelista e Valdezino também se engalfinharam numa luta titânica. As rajadas de socos que cada um disparava e recebia, com os braços cruzando pra lá e pra cá, foi um espetáculo sem paralelo. Ao saltitar na troca de sopapos Valdezino caiu. Porém, levantou-se rapidamente e aplicou uma tremenda "porrada" no rosto do Evangelista que teve o seu nariz quebrado na hora. Com isso, a luta dos dois terminou.
Lourival, com muita disposição, também lutava bravamente, mas não me lembro com quem.

O enfrentamento foi duro! Os "pou, puf, páf", sons dos sopapos trocados, eram rápidos e constantes numa luta de peito aberto e bruta. Ao receber uma tremenda pancada que o fez ver vaga-lumes e estrelas, Lourival pulou fora com os dois braços esticados para a pessoa que amarrava e desatava as luvas, dizendo enfaticamente: "Tiiiira, tira, tira estas luvas das minhas mãos! Tira, tira! Não quero lutar mais não!". Com essa atitude repentina e cômica a galera foi ao delírio. Teófico Cachapuz vibrava e dizia: "Isso aqui tá bom demaaaaiis!". "Eu pago o ingresso e acho barato!".

Faço aqui um elogio a estes bravos jovens, haja vista a compreensão deles de que estavam apenas praticando um esporte, e não brigando. Por isso, não vislumbrei nenhuma falta de paciência ou mágoa entre eles. Tudo foi uma festa a acontecer nos parâmetros do espírito esportivo. 
Se alguém notar alguma afirmação incorreta aqui, peço que faça a correção, desde que seja pessoa que presenciou o evento aqui reportado. 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Racismo não é mal-entendido

“Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra.
  Bob Marley

Tenho grande admiração por Norman Rockwell (artista e ilustrador estadunidense) que sempre se posicionou sobre a luta pelos direitos civis. Não por acaso escolhi uma de suas famosas obras para ilustrar esse post que dedico a todos que não se enxergam como racistas num país onde mais de 90% das pessoas afirmam conhecer um racista. E para aqueles que, diante da discriminação contra uma criança,  desrespeitam a diversidade humana sob o argumento de que a miséria é uma só. 

Recentemente uma ordem foi assinada pelo coronel Ubiratan de Carvalho Goes Beneduccir em Campinas (SP) determinando a abordagem de suspeitos de "cor parda e negra", acusados de praticarem assaltos em residências em um bairro nobre da cidade. Apesar de vivermos numa democracia racial, deixe-me tossir, pois não acredito que escrevi isso. Nós ainda estamos engatinhando nesse processo e à duras penas.



Detalhe. New Kids in the Neighborhood, Norman Rockwell, 1967
Norman Rockwell Museum Archival Collections


A obra e o tema são tão complexos que a discussão poderia se estender até amanhã. Mas há um detalhe que impressiona. Lá pelas tantas, no canto superior esquerdo, uma pessoa branca assiste à cena com apreensão, talvez racismo. 



Detalhe. New Kids in the Neighborhood, Norman Rockwell, 1967
Norman Rockwell Museum Archival Collections


Num país que se pretende uma democracia racial, onde o preconceito segue invisível e a discriminação institucional costuma não ter nome e nem sobrenome, o presente documento é de uma importância ímpar. Sabemos não somente onde e quando a ordem racista foi redigida, mas também por quem e com que finalidade.

Apesar disso, houve quem argumentasse que estavam procurando suspeitos de um crime em especial, o que oxalá será prontamente desmentido com a leitura integral do texto. Está plenamente caracterizada a ofensa não a uma pessoa ou (mais) pessoas, mas sim uma agressão a um grupo indeterminado de indivíduos com base em sua cor de pele.

O que nos parece é que, se fosse o caso de uma diligência em específica, maiores informações teriam sido acrescentadas ao texto. Nesse panorama hipotético, não faz sentido ampliar o número de suspeitos para um universo tão grande como pardos e negros. Se alguém estivesse na mira, teriam sido tomadas precauções para que as abordagens fossem dirigidas a esse alguém.

Mesmo que a discriminação não tenha sido a intenção da Polícia Militar de Campinas, ficou caracterizado o preconceito para com negros, crimes inafiançáveis que o opressor costuma minimizar chamando de mal-entendido.

O comando da polícia militar, ao invés de punirem com severidade seus funcionários e se desculparem com os ofendidos, foram ainda mais racistas ao tentarem explicar (e negar) o inexplicável. Ao deixarem de lado a hipótese de retratação, demonstraram que esses episódios foram tudo, menos um simples mal-entendido. Já está mais que na hora de inventarem outra desculpinha menos mequetrefe porque essa já está muito surrada.

Por João Elter Borges Miranda





sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Do "Fica" à brachiara


Por Irineu Moreira da Costa

Prezados cachoeiraltenses! Aqui estou novamente a fim de trazer a lume alguns aspectos da Cachoeira Alta do meu tempo, visto que tenho inúmeras histórias dessa cidade, algumas violentas, outras bizarras e, ainda, algumas curiosas. Irei contá-las em doses homeopáticas para não tumultuar esta página e não cansar o leitor. 

Hoje, abordo a questão rural. Nos meus primeiros anos a principal atividade econômica do município era tipicamente rural. Todavia, era uma atividade incipiente em que a maioria dos fazendeiros, principalmente de médios e pequenos proprietários, não faziam investimentos modernos para obtenção de maiores lucros. Alguns proprietários eram tão conformados com o seu fraco padrão de vida que se davam por satisfeitos por criarem gado no cerrado e nas croas com algum vegetal comestível. 

O gado era rústico, quase selvagem e de pouco valor. Criavam porcos soltos, os quais, erados, tinham suas presas tão crescidas que saíam para fora da boca, dando a impressão de que ali tinham dois punhais. O principal capim que existia para a formação de pastagens era o colonião, seguido pelo jaraguá e gordura, este encontrado nas capoeiras. Em consequência, a formação de pastagem só era possível em terras mais férteis, o que explica a não exploração das terras mais fracas, destacando-se aí os campos arenosos. 

O leite que o produtor tirava não tinha consumo, já que não havia laticínios para comprá-lo. A única saída era fazer queijos e requeijões caseiros e vendê-los, o que propiciava muito trabalho e pouco rendimento. Para embolsar alguma quantia e satisfazer as necessidades da família e da propriedade, era costume do produtor, no final do ano, vender os bezerros machos ainda mamando para entregá-los ao comprador no mês de maio seguinte. Feito o negócio, vendedor e comprador compareciam em cartório para a elaboração de um documento chamado por eles de "Fica", nomenclatura essa não prevista na doutrina e jurisprudência do direito. 
"Fica"
O cartório daquela época fazia um documento particular que, com firmas reconhecidas e devidamente registrado em Títulos e Documentos, tinha valor jurídico. No documento era mencionada a palavra "Fica", com isso enfatizando que o vendedor fulano de tal FICA na obrigação de entregar ao comprador a quantia de tantos bezerros, do meio acima, sem defeitos físicos, sadios, etc., etc. 

Todos os anos eu elaborava esses ficas, ao lado de outros como contratos, IBRA, INCRA, para os produtores rurais. Com o advento de outras espécies de capins, como a brachiara, umidícula e andropogon, próprios para terra fraca, grande foi a euforia dos produtores diante do resultado positivo. As terras, inclusive as fracas, foram altamente valorizadas e os fazendeiros aumentaram em muito a área de pastagens, o que resultou em lucratividades maiores e atraiu os laticínios para o município. O Laticínio Marajó foi, ao que me lembro, o primeiro a se instalar e a comprar leites, fazendo, com isso, cessar a venda antecipada de bezerros. Os "Ficas" também desapareceram.

Existia também a figura do negociante de gado bovino, pessoa que comprava reses e as vendia aos frigoríficos, ganhando a sua margem de lucros. Acredita-se que, por falta de informações, os produtores vendiam suas reses por preço inferior ao de mercado, propiciando, assim, lucros ao comerciante de reses.

O aumento das pastagens e do rebanho bovino fez aquecer o setor. Por isso, muitas pessoas se dedicavam ao negócio, bem como corretores diversos, tanto de gado como de terra. Ao lavrar uma escritura de compra e venda de terra grande era o número de pessoas a comparecerem no cartório, pois, além dos vendedores e compradores compareciam também um séquito de corretores.

Houve uma invasão de paulistas comprando terras no município, vez que em Goiás elas eram muito baratas em comparação com as terras paulistas. Muitos fazendeiros, alheios à realidade, vendiam eufóricos a sua propriedade, para, pouco tempo depois, amargarem grandes prejuízos com a valorização constante dos imóveis. Muitos ficaram pobres. Existem outros aspectos rurais da época, mas, não há espaço neste comentário para abordá-los, sob pena de tornar-me um prolixo.